
DUPLA RESIDÊNCIA FISCAL – UM BICHO DE SETE CABEÇAS?
Quando falamos em tributação de rendimentos a respiração até para, não é verdade?
E se falarmos em bitributação, tributação universal ou ilimitada? O coração bate acelerado?
Será que é possível permanecer residente fiscal ao mesmo tempo no país da nacionalidade e em outro país?
Cabeça está a mil por hora?
Calma, respira e segue na leitura do texto.
Começo com a resposta à última pergunta: sim, é o que o Direito define como Dupla Residência Fiscal.
O QUE É RESIDÊNCIA FISCAL?
O conceito de residência fiscal e os seus contornos integram a esfera de soberania dos Estados, ou seja, a definição de residência é feita unilateralmente por cada Estado.
Em razão de cada jurisdição (cada Estado) estabelecer regras de residência fiscal diferentes, é perfeitamente possível que uma mesma pessoa seja residente fiscal em dois ou mais países.
A residência fiscal refere-se ao pertencimento socioeconômico a um Estado, que será revelado com a presença física, permanente ou temporária, a disponibilidade de uma habitação ou a existência de certo tipo de conexão econômica, como o exercício de determinadas funções.
A justificação da pretensão de tributar com base no critério da residência prende-se, essencialmente, com o valor que esta apresenta para o indivíduo ou para a pessoa coletiva, pois a residência em um Estado confere determinado estatuto de proteção e de regulação que poderá trazer benefícios importantes em matéria de reputação do contribuinte e salvaguarda dos seus direitos subjetivos, ainda que se desenvolvam atividades no estrangeiro. A contrapartida do contribuinte é o dever de lealdade fiscal ao Estado da residência, uma vez que é desse Estado que o residente receberá a necessária proteção jurídica dos seus direitos e interesses.
BRASIL – Quem é considerado residente fiscal?
A Receita Federal, em conformidade com a Instrução Normativa de nº 208 de 27 de setembro de 2002, assim define o residente, para fins tributários:
Considera-se residente no Brasil:
– Aquele que resida em caráter permanente;
– Que se ausente do Brasil para prestar serviços assalariados a autarquias ou repartições do Governo Brasileiro situados no exterior;
– Estrangeiro com visto permanente, estrangeiro com visto temporário para trabalhar com vínculo empregatício ou estrangeiro com visto temporário que complete 184 dias (consecutivos ou não) de permanência no Brasil em um período de até doze meses.
– Brasileiro que adquiriu condição de não residente no Brasil com retorno de ânimo definitivo;
– Brasileiro que se ausente do país sem entregar a Comunicação de Saída Definitiva do País durante os primeiros doze meses consecutivos de sua ausência.
Quais os requisitos para deixar de ser residente fiscal no Brasil?
Os requisitos são diferentes para quem é brasileiro e para quem é estrangeiro:
Para o brasileiro:
– não residir no Brasil em caráter permanente;
– residindo no exterior, não prestar serviços como assalariado a autarquias ou repartições do Governo brasileiro situadas no exterior;
– se retornar ao Brasil, não fazê-lo com “ânimo definitivo” de aqui permanecer.
Para o estrangeiro:
– não ingressar no Brasil com visto permanente;
– se ingressar no Brasil com visto temporário, não convertê-lo em visto permanente;
– não manter vínculo empregatício;
– não atuar como médico bolsista no âmbito do Programa Mais Médicos (Lei nº 12.871/2013);
– nem permanecer no País mais que 183 dias, consecutivos ou não, dentro de qualquer período de 12 meses;
– se permanecer no Brasil, fazê-lo prestando serviços como assalariado a autarquias ou repartições de Governo estrangeiro situadas no Brasil.
É de fácil percepção que a legislação brasileira PRESUME a residência fiscal do estrangeiro com base em elementos objetivos, como a categoria do visto e seu tempo de permanência no País. Para os brasileiros, porém, deve existir a residência “em caráter permanente” no exterior e sem “ânimo definitivo” de permanecer no Brasil. Esses critérios subjetivos ligam-se ao interesse de manter vínculos econômicos e sociais com o Brasil, e são independentes do tempo de permanência física. Por exemplo, manter uma moradia, trabalhar, administrar empresas e desenvolver atividades sociais (filantropia, esporte etc.) são indícios de uma vida ativa no Brasil. Resumo: permanecem raízes no Brasil.
PORTUGAL
São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
– Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
– Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período de 183 dias, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;
– Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;
– Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.
DUPLA TRIBUTAÇÃO É POSSÍVEL?
É possível estar obrigado a pagar imposto sobre a mesma renda em dois países diferentes?
Sim. Assim como cada Estado define quem deve ser considerado residente fiscal em sua jurisdição, cada Estado pode impor sua própria legislação de imposto de renda.
A dupla tributação ou bitributação é legalmente possível e muito comum, e incide, de forma geral, quando um indivíduo é residente fiscal em um país e aufere renda de fonte estrangeira.
Como tributação é um tema que envolve grande interesse dos Estados, para que todos “ganhem”, grande parte dos países celebraram acordos, convenções e tratados internacionais para evitar a dupla tributação.
Os instrumentos normativos estabelecem regras que permitem que uma pessoa seja considerada residente fiscal de apenas um dos dois Estados contratantes, conforme as chamadas “regras de desempate”, porém sua aplicação depende de análise detalhada do caso concreto e não é reconhecida automaticamente.
O que fazer na situação de dupla residência fiscal?
Os países, de forma ampla, impõem a tributação universal da renda, ou seja, independente da origem da fonte pagadora, tudo que for rendimento será tributado.
Como evitar a dupla tributação se tanto um país como o outro pretendem tributar?
Para os países com Instrumentos Normativos celebrados para evitar a dupla tributação há as chamadas “regras de desempate” (tie-break rules), pelas quais, para fins de aplicação do Acordo, somente um dos dois Estados é considerado o Estado de Residência.
As regras de desempate, de forma ampla, podendo existir variações em cada instrumento de negociação internacional, determinam que, na dúvida entre qual de dois Estados deva ser considerado para aplicação do acordo ou convenção internacional, será o Estado de residência fiscal:
– aquele onde a pessoa física mantiver habitação permanente;
– aquele onde sejam mais estreitas as suas relações pessoais e econômicas (centro de interesses vitais), se o critério anterior falhar; ou
– aquele onde permanecer habitualmente, se os dois critérios anteriores falharem; ou
– aquele de que for nacional, se os três critérios anteriores falharem; ou
– aquele escolhido de comum acordo entre os dois Estados, se todos os demais critérios falharem.
São critérios alternativos e excludentes, ou seja, será utilizado o próximo se o primeiro não conseguir determinar a residência fiscal.
O último critério depende do consenso entre as autoridades de dois Estados diferentes. Ainda que haja procedimento previsto para isso, ambas precisam estar interessadas em negociar para que se resolva a questão. Desta forma, o que interessa é analisar caso a caso se os principais critérios são atendidos ou não. É muito raro que todos sejam esgotados sem solução.
BRASIL E PORTUGAL
Brasil e Portugal firmaram acordos internacionais com outros Estados com o objetivo de evitar a dupla tributação, e firmaram entre eles a Convenção Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento.
No Brasil, o acordo aplica-se especificamente ao imposto Federal sobre a Renda. Em Portugal refere-se ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e a Derrama.
Viu, não é um bicho de sete cabeças? Mas é preciso ter atenção. O Direito Tributário é um dos mais complexos e mais invasivos ramos do Direito na vida financeira das pessoas físicas e jurídicas.
- Posted by Raquel Trindade da Costa
- On 29 de outubro de 2020
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