
INSOLVÊNCIA PESSOA SINGULAR – PORTUGAL E INSOLVÊNCIA CIVIL – BRASIL
O descontrole financeiro acarreta as desagradáveis consequências do inadimplemento, mas existe um instituto, em Portugal e no Brasil, como uma “luz no fim do túnel” para o devedor: a declaração de insolvência.
O que é?
PORTUGAL
Em Portugal, de acordo com o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (Decreto-Lei n.º 53/2004), é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
Isto significa que esta declaração só deve ser solicitada quando já não houver possibilidades de negociação, quer com os bancos quer com os credores. Ou seja, em circunstâncias em que deixou de haver meios para liquidar dívidas ou sequer bens para penhorar.
BRASIL
No Brasil, a insolvência civil ainda encontra o seu regulamento no Código de Processo Civil de 1973, conforme dispõe o artigo 1.052 do Código de Processo Civil de 2015: “Até a edição de lei específica, as execuções contra devedor insolvente, em curso ou que venham a ser propostas, permanecem reguladas pelo Livro II, Título IV, da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 .”
A insolvência, no Brasil, ocorre “toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor”, como disciplina o art. 748 do Código de Processo Civil de 1973.
INSTITUTOS COM IDÊNTICA FINALIDADE
O principal objetivo do processo de insolvência pessoal, que é complexo e exigente (só pode ser requerido junto do tribunal requisitando os serviços de um advogado), é evitar que a pessoa física fique indefinidamente com dívidas que não consegue pagar, possibilitando, deste modo, a reestruturação das suas finanças.
Quem pode requerer?
A declaração de insolvência pode ser requerida judicialmente pelo próprio devedor ou por qualquer credor.
PORTUGAL – CARACTERÍSTICAS E CONSEQUÊNCIAS
No âmbito da insolvência pessoal há dois caminhos possíveis: a insolvência com a exoneração do passivo restante ou a insolvência com plano de pagamentos – para situação de insolvência meramente iminente.
Na insolvência pessoal com exoneração do passivo restante o devedor pode obter um perdão das dívidas que não forem integralmente pagas no processo de insolvência e nos 5 anos seguintes ao seu encerramento. O objetivo é conceder ao devedor pessoa singular uma verdadeira segunda oportunidade (fresh start) de recomeçar a sua vida financeira.
O Tribunal, após a declaração de insolvência, nomeia um administrador de insolvência que vai proceder à liquidação de todo o patrimônio do devedor (casa, carro, etc) e repartir o correspondente saldo líquido pelos credores do insolvente, de acordo com a sua graduação e prioridade de pagamento.
Depois, não existindo nenhuma causa para o indeferimento liminar da exoneração do passivo restante, o Juiz profere o despacho inicial de exoneração do passivo restante, que determina:
– o encerramento do processo de insolvência, mesmo que ainda hajam bens por liquidar; e,
– o início de um período de 5 anos, designado por período de cessão, durante o qual o devedor fica obrigado a ceder o seu rendimento disponível ao administrador judicial (fiduciário) que irá destiná-lo ao pagamento dos custos do processo e ao pagamento aos credores.
No final desse período, desde que o devedor cumpra todos os seus deveres, o Juiz profere despacho final de exoneração (perdão) dos créditos que ainda subsistam, e, assim, o devedor fica liberto das dívidas da insolvência, incluindo a dívida relativa ao crédito à habitação.
Para o devedor que se encontra em insolvência iminente, a Lei admite que possa pedir a insolvência com a apresentação de um plano de pagamentos aos credores. Trata-se de uma proposta de reestruturação do passivo do devedor, nomeadamente, pode propor o alargamento dos prazos de cumprimento, redução das taxas de juro, perdão de parte do capital, constituição de garantias, etc.
O plano de pagamentos é negociado com os credores de modo a salvaguardar os seus interesses, e está sujeito à aprovação e homologação pelo Juiz.
Consequências da insolvência pessoal:
1) Suspensão das penhoras: a declaração de insolvência faz suspender todas as penhoras e outras diligências executivas que corram contra o devedor e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos respetivos credores.
Assim, por exemplo, se o devedor estiver a ser alvo de uma penhora de vencimento a declaração de insolvência tem como consequência, por força da Lei, o seu levantamento imediato.
E, ainda, deixa de ser permitido aos credores a instauração de novas ações judiciais (declarativas ou executivas) para a cobrança coerciva dos respetivos créditos.
2) Perda de todo o patrimônio: com a declaração da insolvência, o insolvente perderá a propriedade de todos os seus bens suscetíveis de penhora (há bens parcialmente penhoráveis e bens impenhoráveis).
Os bens passam a integrar a massa insolvente, ficando o administrador de insolvência encarregado de proceder à respetiva apreensão, liquidação (venda, preferencialmente através de leilão eletrônico), e, com o correspondente produto realizar o pagamento dos credores.
IMPORTANTE – Dívidas fiscais e dívidas à Segurança Social
Com o início do regime da exoneração do passivo restante e durante os 5 anos do período de cessão, as Finanças e a Segurança Social não podem promover nenhuma penhora (por exemplo, penhora de vencimento) sobre o insolvente. Contudo, a exoneração não incide sobre os créditos tributários nem os créditos da Segurança Social, o que significa que não haverá perdão dessas dívidas decorridos os cinco anos do período de cessão.
BRASIL – CARACTERÍSTICAS E CONSEQUÊNCIAS
A insolvência civil pode ser real, quando as dívidas efetivamente ultrapassam o valor dos bens e direitos do devedor, ou pode ser presumida, quando determinadas situações processuais levam a crer que o devedor se encontra em situação de insolvência.
Após a insolvência ser requerida, inicia-se o processo judicial, que decorre de forma similar a descrita à insolvência da pessoa singular em Portugal. Se restar comprovado que o valor das dívidas é superior ao valor dos bens e direitos do devedor, o juiz declarará a insolvência. Após a declaração de insolvência, inicia-se a fase de execução, que é a fase em que se buscará a quitação total ou parcial de todas as obrigações do devedor.
A partir deste momento, o devedor perde o direito de administrar e dispor de seus bens até a liquidação total de seu patrimônio. A administração de seus bens passa a ser realizada por um administrador nomeado pelo juiz.
Os credores serão convocados por edital para se manifestarem no processo, e todas as ações de execução contra o devedor serão deslocadas para o mesmo juízo (exceto as execuções fiscais). Em seguida, resumidamente, será determinada a ordem de preferência para pagamento das dívidas, de acordo com as regras do Código Civil.
Se após a liquidação dos bens e direitos do devedor todas as dívidas forem quitadas, as obrigações serão extintas. Se não for possível quitar todas as dívidas, o devedor continua obrigado a quitá-las, inclusive com bens penhoráveis que por qualquer motivo não tenham sido arrecadados anteriormente e também os bens que vier a adquirir no futuro.
É necessário que haja uma nova sentença declarando que as obrigações foram extintas para que o devedor recupere o direito de administrar e dispor de seus bens.
IMPORTANTE – quando uma pessoa vem a falecer, as dívidas contraídas em vida continuam existindo e devem ser quitadas com seu patrimônio. Apenas o saldo remanescente após a quitação das dívidas do falecido é transmitido aos herdeiros. Assim, caso o devedor tenha falecido, o inventariante do espólio do devedor também pode requerer que seja declarada a sua insolvência, caso as dívidas sejam superiores aos seus bens e direitos.
Como iniciar o processo
Em Portugal e no Brasil o processo de insolvência é um processo judicial, o que significa que corre os seus termos no Tribunal. Por conseguinte, os Advogados, com os devidos poderes outorgados pelos seus clientes são, nos termos da Lei, os únicos profissionais habilitados para dar início a estes processos.
- Posted by Raquel Trindade da Costa
- On 1 de outubro de 2020
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