
O que é o viés algorítmico e como ele é gerado?
O viés algorítmico é um fenômeno que ocorre quando um algoritmo toma decisões que refletem preconceitos ou distorções sistemáticas. Esse viés pode se manifestar em várias formas, como discriminação racial, de gênero, idade, ou até status socioeconômico. Ele acontece porque os algoritmos aprendem padrões a partir de dados que, por sua vez, refletem as desigualdades e preconceitos existentes na sociedade.
Como o viés algorítmico é gerado?
O viés algorítmico pode surgir em várias fases do desenvolvimento de um sistema de IA, geralmente como resultado de falhas nos seguintes aspectos:
1. Coleta de dados enviesados: Os algoritmos são treinados com grandes quantidades de dados, e se esses dados contêm preconceitos históricos, o algoritmo aprenderá e replicará esses vieses. Um exemplo comum é o uso de dados históricos em processos de contratação: se uma empresa tem um histórico de contratar mais homens do que mulheres, o algoritmo de IA pode “aprender” a associar sucesso profissional com características masculinas, penalizando candidatas mulheres.
2. Falta de representatividade nos dados: Se os dados utilizados para treinar o algoritmo não são representativos de todas as categorias sociais (raça, gênero, região, etc.), o sistema pode ser incapaz de tomar decisões justas em relação a grupos sub-representados. Isso pode acontecer em sistemas de reconhecimento facial, que tendem a funcionar melhor em homens brancos do que em pessoas negras ou em mulheres, porque os dados usados para treinar esses sistemas contêm uma predominância de imagens de homens brancos.
3. Escolhas de modelagem: O próprio design do algoritmo pode introduzir vieses. Por exemplo, ao atribuir pesos diferentes a variáveis em um modelo, o desenvolvedor pode, sem querer, dar mais importância a variáveis correlacionadas com características socioeconômicas, como o endereço de uma pessoa, que pode, indiretamente, discriminar com base na raça ou classe social.
4. Erros de interpretação ou generalização dos dados: Mesmo que os dados estejam tecnicamente corretos, os algoritmos podem cometer erros ao generalizar padrões. Um exemplo disso seria um sistema que usa registros criminais para prever a probabilidade de reincidência e que, sem levar em conta a complexidade dos fatores sociais, perpetua preconceitos contra grupos raciais historicamente marginalizados.
Exemplos de viés algorítmico no âmbito do Direito
O viés algorítmico pode ter consequências graves em áreas que envolvem decisões judiciais, onde a imparcialidade e a justiça são fundamentais. A seguir, alguns exemplos no contexto do Direito:
1. Uso de IA no sistema de justiça criminal (COMPAS*): Nos Estados Unidos, o sistema COMPAS (Correctional Offender Management Profiling for Alternative Sanctions) é um algoritmo amplamente utilizado para avaliar o risco de reincidência criminal. Estudos demonstraram que o COMPAS apresenta viés racial, classificando réus negros como de maior risco de reincidência do que réus brancos, mesmo quando os crimes e antecedentes são semelhantes. Esse tipo de viés prejudica indivíduos pertencentes a minorias e viola princípios de igualdade perante a lei.
2. Discriminação no acesso ao crédito: Outro exemplo ocorre no setor de empréstimos, onde algoritmos que analisam a probabilidade de inadimplência podem penalizar pessoas de certas regiões geográficas ou grupos raciais. Embora o endereço de uma pessoa possa ser um fator objetivo para avaliar o risco de crédito, ele também pode estar altamente correlacionado com raça ou classe social, resultando em discriminação indireta. Se o algoritmo atribui maior peso a essa variável, pessoas de minorias étnicas podem ser sistematicamente desfavorecidas.
Conclusão
O viés algorítmico representa um dos maiores desafios éticos e jurídicos associados ao uso de IA. No campo do Direito, onde decisões injustas podem comprometer seriamente a vida das pessoas, é essencial que os sistemas de IA sejam desenhados e implementados com o máximo cuidado para evitar a perpetuação de preconceitos e discriminações. A solução passa por garantir que os dados usados nos treinamentos dos algoritmos sejam representativos e que os sistemas sejam auditados regularmente, de modo a identificar e corrigir distorções que possam surgir. Além disso, a transparência e a responsabilidade nas decisões automatizadas são fundamentais para mitigar os impactos negativos do viés algorítmico no sistema jurídico.
*O Perfil de Gestão de Infratores Correcionais para Sanções Alternativas ( COMPAS ): é uma ferramenta de gestão de casos e suporte à decisão desenvolvida e de propriedade da Northpointe (agora Equivant), usada pelos tribunais dos EUA para avaliar a probabilidade de um réu se tornar um reincidente.
- Posted by Raquel Trindade da Costa
- On 19 de setembro de 2024
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