
Comissão Europeia – Procedimento de Infração aberto contra Portugal em razão das Autorizações de Residência CPLP*
Comissão Europeia – Procedimento de Infração aberto contra Portugal em razão das Autorizações de Residência CPLP*
Outubro iniciou e o tema “quente” é a notícia veiculada de que a “Comissão Europeia iniciou um procedimento de infração contra Portugal por causa das novas autorizações de residência para cidadãos da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa – CPLP.”
A notícia está a gerar grande expectativa entre os brasileiros (maior comunidade estrangeira em Portugal), quanto à validade e permanência dessa modalidade de autorização de residência em Portugal.
O que diz a Comissão Europeia
“O Acordo de Mobilidade da CPLP prevê uma autorização de residência que não está em conformidade com o modelo uniforme estabelecido no Regulamento (CE) n.º 1030/2002. Para além disso, tanto as autorizações de residência como os vistos de longa duração emitidos para fins de procura de emprego a nacionais dos Estados da CPLP não permitem aos seus titulares viajar no espaço Schengen.”
Em resumo a Comissão Europeia entende que, tanto a autorização de residência para cidadãos da CPLP, quanto o visto para viajantes da CPLP violam o regulamento do bloco europeu que “estabelece um modelo uniforme de título de residência para os nacionais de países terceiros”, e o acordo de Schengen, que define um espaço de livre circulação na Europa.
Declarações do Governo português
“Estamos seguros e confiantes que não existe qualquer incompatibilidade. Nunca teríamos adotado estas regras se achássemos que estavam em contravenção com o regime Schengen” – Tiago Antunes, Secretário de Estado dos Assuntos Europeus.
“Portugal tem estado a explicar desde há muitos anos porque é que não há incompatibilidade entre o regime [de vistos] que é adotado em relação à CPLP e o regime europeu, comunitário. Já explicámos porque é que não há contraposição, não há um choque. Até agora isso foi aceite e acreditamos que vamos fazer valer o nosso ponto de vista”, disse o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.
Quem tem razão?
A resposta não é simples e precisa ser compreendida considerando os diversos atores envolvidos: a Europa, o Espaço Schengen, a União Europeia e os Estados-Membros.
Por essa razão, é necessário conhecer esses atores. Vamos a isso!
O mais velho: Europa
A Europa, tradicionalmente conhecida como o “Velho Mundo” e considerada o berço da cultura ocidental. É um dos seis continentes do mundo, sendo em extensão territorial o segundo menor. O continente europeu é composto por 50 países e possui o maior bloco económico do mundo, a União Europeia.
O Espaço Schengen
O Espaço Schengen é uma das principais realizações do projeto europeu. Começou em 1985 como uma proposta intergovernamental de cinco países da UE – França, Alemanha, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo – e expandiu-se gradualmente para se tornar a maior zona de livre circulação do mundo.
Schengen é o nome de uma pequena aldeia no Luxemburgo, na fronteira com a Alemanha e a França, onde o Acordo de Schengen e a Convenção de Schengen foram assinados em 1985 e 1990, respetivamente.
A publicação “Europa sem fronteiras: Espaço Schengen” descreve o objetivo com que foi criado:
“Iniciou quando cinco Estados-Membros da União Europeia decidiram suprimir os controlos nas suas fronteiras internas — assim nasceu o Espaço Schengen. Num continente onde anteriormente as nações derramavam sangue para defender os seus territórios, hoje as fronteiras só existem nos mapas. Todos os anos, os europeus fazem mais de 1,25 mil milhões de viagens dentro do Espaço Schengen.
Suprimir as fronteiras, garantir a segurança e criar um clima de confiança demorou muitos anos após duas guerras mundiais devastadoras. A criação do Espaço Schengen é um dos maiores feitos da União Europeia e é irreversível.”
Assim, integrar um espaço sem controlos nas fronteiras internas significa que os países:
• não efetuam controlos nas suas fronteiras internas, exceto em casos de ameaças específicas; e
• efetuam controlos harmonizados nas suas fronteiras externas, com base em critérios claramente definidos.
O conjunto de regras que regem o espaço Schengen designa-se por Código das Fronteiras Schengen.
O Espaço Schengen, atualmente, abrange mais de 4 milhões de quilómetros quadrados, com uma população de quase 420 milhões de pessoas, e inclui 27 países:
• 23 dos 27 Estados-Membros da UE;
• todos os membros da Associação Europeia de Comércio Livre (Islândia, Listenstaine, Noruega e Suíça).
Desde 1 de janeiro de 2023, a Croácia tornou-se o 27.º país a aderir plenamente ao Espaço Schengen.
Os controlos nas fronteiras internas com a Bulgária, Chipre e a Roménia ainda não foram suprimidos e a Irlanda não faz parte do espaço Schengen.
Os benefícios económicos que o Espaço Schengen proporciona são significativos a todos os cidadãos e empresas dos Estados-Membros integrantes. Foi concebido para ser a pedra angular da União Europeia e do mercado único no seu conjunto.
O bloco econômico: União Europeia
A União Europeia, maior bloco económico do mundo, é constituído por 27 países.
O bloco representa a livre circulação de bens e mercadorias entre seus países membros, que adotaram uma única moeda, o euro.
A União Europeia é atualmente o maior mercado de exportação de bens, serviços e produtos.
Os objetivos da UE estão definidos no artigo 3.º do Tratado de Lisboa, entre os quais:
• promover a paz, os seus valores e o bem-estar dos seus cidadãos; e
• proporcionar um espaço de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas, em conjugação com medidas adequadas nas suas fronteiras externas para regular o asilo e a imigração e prevenir e combater a criminalidade.
A União Europeia tem 3 organismos principais: Comissão Europeia, Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia.
Um parêntesis: A Comissão Europeia
A Comissão Europeia é o órgão executivo da UE, sendo politicamente independente. Tem a responsabilidade exclusiva de elaborar propostas de novos atos legislativos europeus e de executar as decisões do Parlamento Europeu e do Conselho da UE.
O trabalho da Comissão é dirigido por um colégio de comissários e liderado pelo/a seu/sua presidente.
A Comissão Europeia, em conjunto com o Tribunal de Justiça, garante a correta aplicação da legislação da UE em todos os Estados-Membros.
Os Estados-Membros da UE
Um país candidato à UE deve cumprir os critérios de adesão definidos pelo Conselho Europeu de Copenhaga de 1993 e assinar o tratado de adesão com cada um dos Estados-Membros da União Europeia (UE), e assim torna-se Estado-Membro da UE.
Cada um dos 27 Estados-Membros está vinculado aos tratados e ao acervo comunitário e participa no governo da UE em igualdade de condições.
A adesão
A adesão à UE é um processo complexo e demorado, que exige do país candidato e depois aderente, a aplicação da legislação e a regulamentação europeias em todos os domínios. Sendo essa a condição principal para integrar a UE.
Portugal e UE
Desde o pedido de adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, em 1977, até à assinatura do Tratado, em 1985, decorreram 8 anos de negociações integrando pareceres, acordos e declarações.
Portugal passou a integrar a UE a 1 de janeiro de 1986, quando entrou em vigor o Tratado de Adesão assinado em 12 de junho de 1985.
Portugal, assim como os restantes Estados-Membros da UE, estão obrigados a observar a legislação e a regulamentação europeia.
Regulamentos da União Europeia
O Artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), versa, especificamente, sobre os vários tipos de atos jurídicos que a União Europeia (UE) pode adotar, incluindo os regulamentos.
Os regulamentos são atos jurídicos definidos no artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). São de aplicação geral, obrigatórios em todos os seus elementos e diretamente aplicáveis nos Estados-Membros da UE.
O regulamento é diretamente aplicável após a sua entrada em vigor nos Estados-Membros, não precisando de ser transposto para o direito nacional.
O regulamento entra em vigor na data que definiu para o efeito ou, na sua falta, 20 dias após a sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia. Os regulamentos são aplicáveis de forma simultânea, automática e uniforme em toda a UE.
O Regulamento (CE) n.º 1030/2002, que estabelece um modelo uniforme de título de residência para os nacionais de países terceiros, tem aplicação em todos os Estados-Membros da UE.
Esse Regulamento especifica os modelos para títulos de residência aos nacionais de países terceiros, entretanto o faz com fundamento na harmonização de medidas em matéria de imigração, na salvaguarda da segurança do espaço comum e de seus cidadãos.
Em seu considerando (5) assim declara:
“É essencial que o modelo uniforme de título de residência inclua todas as informações necessárias e satisfaça normas técnicas de elevado nível, nomeadamente em matéria de protecção contra a contrafacção e a falsificação, o que contribuirá para o objectivo de prevenção e luta contra a imigração e residência ilegais. O modelo uniforme deve igualmente ser adaptado à utilização por todos os Estados-Membros e incluir dispositivos de segurança harmonizados universalmente reconhecíveis e claramente visíveis à vista desarmada.” (grifos acrescidos)
O objetivo é prevenir a imigração e residência ilegais nos Estados-Membros.
Com o espaço comum livre de fronteiras internas, é obrigação de cada Estado-Membro garantir que a entrada e permanência em seu território ocorra de forma legal, por conseguinte, qualquer deslocação do nacional de países terceiros que se desloque no Espaço Schengen o fará de forma autorizada e controlada.
Conclusões
Portugal, como integra a UE tem o dever de observar o Regulamento (CE) n.º 1030/2002, nomeadamente, quanto à forma de emissão da autorização de residência para nacionais de países terceiros.
Em razão da falta de conformidade com o Regulamento os cidadãos nacionais de países terceiros com AR CPLP podem residir legalmente em território português, mas para ingressar no Espaço Schengen precisam observar as normas de cada pais.
Portugal poderá adequar as autorizações de residência CPLP ao modelo da CE, mas também poderá manter a situação como está no momento.
Em um ponto o Governo Português está correto: não há ilegalidade, mas uma flagrante falta de conformidade com as normas da União Europeia.
Deve Portugal adequar a AR-CPLP? É óbvio que sim, e como razão principal é fragilidade do documento emitido por Portugal, por conseguinte, facilitando a falsificação, com a entrada e permanência irregular de imigrantes no território português e Espaço Schengen.
Vamos esperar que o bom senso de Portugal prevaleça.
Como disse o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa: “Vamos esperar para ver”.
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* O artigo foi escrito a considerar o português de Portugal.
- Posted by Raquel Trindade da Costa
- On 4 de outubro de 2023
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